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sexta-feira, 21 de junho de 2013

#protestomaterno Estatuto do Nascituro


Ontem, quando saí do meu trabalho, parei um pouco na rua para admirar os manifestantes que se organizaram para protestar em frente à sede da Prefeitura da cidade e que, naquele momento, faziam uma caminhada pelas ruas fechadas do centro. Quando vi aquele coro de vozes gritando em prol de justiça, liberdade, cidadania, educação, saúde, amor, generosidade, senti que fazia parte daquilo. Fiquei impossibilitada de passar, cruzar a rua, liguei para o marido para avisar que estava bem, encostei na marquise para me proteger da chuva e fiquei só contemplando. A imagem que fixou meu olhar foi a de uma jovem mãe, com sua filha pequena, ambas pintadas, ambas com cartazes e bandeira do Brasil. O meu olhar encontrou com o daquela mãe e acabamos por sorrir uma para outra. Sem palavras. Apenas aquele olhar de quem reconhece a si mesmo no outro.

Eu sou mulher, feminista, com trabalho remunerado, esposa e mãe. E há muito pelo quê lutar em todas essas esferas, em todos esses papéis. Mas hoje escolhi falar do Estatuto do Nascituro, porque considerei que esta aberração, que tenta fazer parte da nossa legislação, ataca as várias faces que eu tenho, as várias roupas que eu visto.

Como mulher e feminista eu defendo o direito total sobre meu corpo, minhas escolhas. Eu não preciso ser favorável ao aborto para ser a favor da legalização do mesmo. A minha escolha individual é minha, atinge somente a mim. Na verdade, eu não posso afirmar se sou contra ou a favor. Felizmente eu tenho aprendido cada vez mais que ter opiniões fechadas sobre assuntos polêmicos - e triviais - que dizem respeito a escolhas pessoais não faz sentido algum.

Mas a verdade é que seja eu contra ou a favor do aborto, tal opinião não muda a realidade de milhares de mulheres que morrem todos os anos em abortos clandestinos. O meu não à legalização do aborto faz com que essas mortes também sejam responsabilidade minha. E são milhares. O meu sim à legalização poderá significar vida para muitas, uma segunda chance, um recomeço. E eu só serei responsável pela decisão que tomar em relação a mim mesma.

Alguns discursos proferidos falam da possibilidade de as mulheres usarem o aborto como método contraceptivo e que por este motivo não seria uma boa escolha essa legalização. Esse discurso não me convence porque é fraco de argumentos, porque pega uma situação e a isola de todo um contexto social vivido por mulheres por centenas de anos. Porque mais uma responsabiliza a mulher por um ato que, para acontecer, precisa de um homem e uma mulher.

O aborto após uma atrocidade vivenciada por uma mulher - o estupro - é uma das faces daquele projeto que pretende virar lei. A bolsa estupro, como vem sendo chamado o valor destinado à mulher que, após ter sido violentada, ter tido a coragem de denunciar a violência sofrida, após ter passado pelos horríveis procedimentos de um exame de corpo e delito e ainda assim não reconhecer seu agressor, seja porque não pode, seja porque ele estará foragido, seja por motivos ainda mais complexos, terá sua liberdade de decidir sobre sua própria vida comprada por um salário mínimo mensal por 18 anos.

Eu não sei se todos os que me leem tem filhos, mas quem os tem, ou os teve, sabe da responsabilidade que é gerar uma vida, parí-la, amamentá-la, educá-la, vestí-la, alimentá-la por toda uma vida. A maternidade não se extingue quando os filhos gerados completam 18 anos. Um salário mínimo para compensar uma violência sofrida e não punida - já que a mulher só receberá esse valor se não reconhecer o agressor - é uma ofensa tacanha, que me dá nó no estômago e me faz esquecer por longos minutos que sou contra violência.

Caso a mulher agredida consiga reconhecer seu agressor, ele, já na própria lei, passa de criminoso a genitor e terá o direito de, inclusive, colocar seu nome na criança gerada a partir de sua violência. Terá direito a visita, na qualidade de genitor.Terá também o dever de pagar pensão alimentícia nos termos da lei. Não precisa ser muito inteligente para saber que isso raramente ocorrerá, salvo, talvez, quando o criminoso estiver trabalhando na cadeia, pelos míseros anos que terá de cumprir pelo seu crime. E tem todo o aspecto da vivência da criança, que, sim, não tem culpa, mas que terá que carregar por toda a vida o estigma de ser fruto de uma barbaridade, de não ter sido desejada, de ter sido tolerada, se não por toda a vida, ao menos nos primeiros momentos, pela mulher que a carregará no ventre. Terá que conviver com o pai agressor.

Mas saiamos do crime de estupro-aborto e partamos para o artigo que diz que o nascituro terá supremacia absoluta. Isso significa que nós, mulheres, seremos apenas um ventre, um meio através do qual chegará mais uma criança ao mundo. Significa que nós, mulheres, seremos mais uma vez consideradas inferiores, incapazes, sem direito de propriedade sobre nosso próprio corpo, sobre nossas próprias escolhas.

Eu sei, eu sei, é muito irônico falar de direito de escolha da mulher numa sociedade onde 80% delas querem parto normal ao engravidar, mas menos da metade consegue. Nas redes privadas a média de cirurgias ultrapassa os 90% de nascimentos em muitos hospitais.

O Estatuto do Nascituro também poderá mexer com o direito da mulher, quase nulo hoje em dia, mas ainda existente, de escolher o lugar onde se sente mais segura para parir. Caso a mulher, ou a família, seja denunciada por alguém, o Estado poderá nomear um curador para o nascituro e esta mulher terá que se submeter ao que o Estado determinar como melhor para o bebê. Numa sociedade que visa o lucro em detrimento do bem estar, onde redes de apoio à mulher gestante são amplamente massacradas, onde conselhos de medicina pronunciam barbaridades sem nenhum respaldo científico, onde médic@s, enfermeir@s e demais profissionais da saúde são responsáveis pela violência obstétrica sofrida por 1/4 das parturientes - isso sem considerar as violências sofridas pelos recém nascidos - é de gelar a alma, de embrulhar o estômago só o imaginar possíveis cenários de nascimento para as mulheres e famílias que estiverem determinadas a romperem com esse modelo.

Uma mulher não terá mais o direito de escolha nem sobre tratamentos de saúde que possam causar o aborto. Isso significa que você, mulher, que hoje pode optar entre fazer um tratamento para câncer, por exemplo, onde haja risco de aborto, mas possibilidade de cura ou sobrevida, terá riscado do rol de seus parcos direitos essa possibilidade se estiver grávida. O nascituro tem supremacia absoluta, lembram?

Então vamos, vamos todos lutar pelas bandeiras que nos digam respeito. Somos semelhantes, queremos as mesmas coisas apenas com nomes diferentes. Queremos ser respeitados em nossa individualidades, queremos as mesmas oportunidades de crescimento e aprendizado, queremos uma vida plena através do convívio pacífico e generoso com nosso vizinho. Queremos paz, queremos justiça, queremos amor, queremos VIDA. Mas é preciso sair do discurso inflamado e agir. Um bom começo é em si mesmo.

Leia o Projeto de Lei aqui.

Assine contra o Estatuto do Nascituro aqui.



2 comentários:

  1. Ei Nine, bom essa sensação, né?! De que as coisas podem mudar e que podemos fazer parte disso e levantar nossas bandeiras!!!
    Esse "estatuto" é uma paulada nas nossas cabeças...
    E é uma das muitas causa a que temos que lutar.
    Bj grande!!!

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  2. Nine, vamos nessa. Essa excrescência do estatuto não pode passar de forma alguma!
    Onde tiver gente contra, estou lá.

    bjos

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